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terça-feira, janeiro 30, 2007

A Carta (parte III).

"Desde o início desta carta que tenho estado tentado a descrever-te tudo isto por aqui... Não que seja uma tarefa muito fácil, mas sinto-me obrigado a partilhar este espaço de serenidade contigo, é um espaço que acredito, sinceramente, que vais adorar.

Já reparaste que tudo o que tivemos se resumiu a esta distância, a estas cartas que, de alguma forma, parecem manter-nos ligados e intensamente cúmplices um do outro?.. Nunca fui muito bom com as perguntas de retórica e sabes, talvez melhor do que eu, que sempre tive um medo devastador de falar sobre mim, sobre o que penso ou sinto... Medo esse que, ao teu lado, se dissipava num mísero segundo deste Tempo, que insiste em fazer-se passar pela personagem principal desta trama, de que, pelos vistos, somos produtores. Lembraste daquela viagem que fizemos no Verão de há dois anos atrás? Acho que é impossível esquecer todas aquelas noites deitados na rede, presa entre aquelas duas árvores raquíticas, que nem uma sombra digna eram capazes de fazer, durante a manhã, quando acordávamos dentro daquele forno, em que se transformava a nossa tenda. Sabia tão bem passar aqueles finais de tarde a ver o pôr-do-sol, lá ao fundo, na baía, repleta de barcos de sonho, aqueles onde nós acreditámos ir passear um dia… Quem sabe?.. Por muito estranho que possa parecer, quando penso e revivo aquela viagem, consigo recordar-me muito melhor do odor a maresia, que viajava, à boleia, na brisa do final de dia, que arrefecia os nossos corpos quentes, do que propriamente da imagem da praia, da típica vila alentejana, do nosso jipe apinhado de postais e recordações, de todas as outras viagens, que, não sei bem porquê, não consigo esquecer...

Sabes, é esse mesmo odor que paira por aqui, agora que estou sentado no alto, num dos sítios mais bonitos que já vi!.. De facto não está muito calor, mas sabe bem ficar aqui em cima e ser embalado pelos sopros de vento que vão e voltam, a um ritmo demasiado melancólico, como se personificassem as recordações que, inevitavelmente, vão passeando perto de mim…

É Outubro e sabe bem ver os castanhos e os laranjas contrastar com o azul do céu e do mar, o branco das nuvens e o cinzento desta rocha onde estou sentado. Queria tanto que estivesses aqui, que eu pudesse partilhar esta paisagem e este momento contigo… Quem sabe se um dia não te tratei aqui? Seja como for, fica a promessa. Não tem sido fácil deitar-me todas estas noites sem querer apagar tudo o que te disse naquela tarde, mas espero que percebas que esta carta é o inicio de uma longa explicação para o tudo o que se passou e talvez até seja uma espécie de oração a tudo aquilo que ainda se vai passar. (...)"

Nuno Rocha

1 comentário:

Anaphy disse...

Nao consigo parar de ler cada letra do que escreves... é como se essa historia sempre tivesse estado presente, como se a conhecesse e desejasse a todo o momento embrenhar-me... saber mais, misturar-me mais nesta mistura agridoce de solidão e saudade... não pares!
beijo